O leigo em assuntos afeitos à medicina, por razões claras, não detém condições de averiguar se o resultado indesejado que se afigurou no transcorrer de seu tratamento, decorreu de um acontecimento imponderável ou se de um vício de conduta do médico e, com as emoções afloradas advindas do desfecho insatisfatório, esse indivíduo pode avaliar erroneamente a situação, tanto condenando o facultativo injustamente quanto o absolvendo desacertadamente.
Nesse rumo, por meio conceitos e exemplos práticos, explicaremos a fronteira que separa o erro médico de uma “intercorrência”.
Pois bem.
O erro médico é definido quando o profissional, no exercício de seu mister, pratica conduta imbuída de imprudência e/ou negligência e/ou imperícia. Portanto, a responsabilidade civil do médico resta marcada nos momentos em que o paciente sofre prejuízos causados pela desatenção, desleixo, descaso, preguiça, afoiteza, pressa, irresponsabilidade, ausência de saber técnico, dentre outras especificidades de atos proferidos pelo médico durante sua atividade profissional.
Veja-se. Se o profissional envidou todos os esforços no tratamento de seu paciente, se ocupando das melhores e possíveis técnicas disponíveis na ciência, com prudência, zelo e perícia e, ainda assim, o resultado almejado não é alcançado, não há que se cogitar na sua responsabilização, já que o evento danoso não nasceu por culpa sua, mas por fatores alheios à sua vontade e comportamento, tais como evolução natural da enfermidade, gravidade da doença, resposta orgânica desfavorável, predisposições do organismo do indivíduo, riscos do procedimento, bem como culpa do próprio paciente no resultado final, dentre outras causas. São hipóteses que não há como o médico prever seus desfechos, que independem de qualquer ação proativa de sua parte.
À soma desses aspectos, a previsibilidade inclui-se de nodal importância na perquirição de eventual “erro médico”, porque o fato passível de previsão é antevisto e, a princípio, evitável. Partindo desse pressuposto, o médico deveria responder por todo e qualquer dano que fosse capaz de antever.
Porém, a ciência médica não está adstrita à exatidão matemática, razão pela qual o profissional cauteloso e prudente, ainda que vislumbre a ocorrência de um desfecho ruim, não pode levar à pecha de culpado quando faz de tudo para coibi-lo. Na dúvida, importante que o interessado formule as seguintes indagações: O médico tinha condições de prever o mal? Se positivo, havia meios de coibir o evento previsível? Ainda se positivo: O médico manejou todos esses meios disponíveis para atingir a cura, o controle da doença ou a prevenção de uma evolução insatisfatória de seu assistido?
Sob outra perspectiva, como abordei em outros ensaios, a violação ao dever de informação também é motivo que pode desaguar na responsabilidade civil e ética do profissional, mormente quando a informação omitida tiver aptidão para causar qualquer prejuízo ao paciente. Isso porque a verdade dá autonomia ao indivíduo, para escolher, de forma livre e consciente, se pretende se submeter aos riscos do tratamento e enfrentá-los, pois se o dano do qual o médico ocultou a possibilidade de acontecer se consubstancia, não há dúvidas que o facultativo incorrerá em responsabilidade, tendo em vista que o paciente poderia ter optado em não se expor aos perigos.
Por meio dos exemplos adiante especificados, extraídos com base nas jurisprudências e nos próprios preceitos do Código de Ética Médica, a tese ora exposta pode ser compreendida com maior facilidade.
Exemplo 01- médico emprega as medidas diagnósticas ao início dos primeiros sintomas do paciente que padece de apendicite. Em seguida, confirma a doença e rapidamente se vale do tratamento recomendado para curá-la e, ainda assim, esse paciente tem complicações. Nesta ilustração, a conclusão é que o médico não agiu com culpa na configuração do mau resultado. Todavia, se o paciente tiver complicações, como apendicite supurada, em razão do retardo no seu tratamento derivado da ausência de diagnóstico que deveria ter sido rastreado, aí pode-se dizer que houve erro médico, vez que o profissional pecou por omissão diante de uma situação em que deveria e poderia agir, pois diante dos sintomas clássicos de apendicite, o momento exigia cautela, prudência e investigação pertinente. Enfim, o dano era previsto e evitável, mas o profissional nada fez, o que delimita sua responsabilidade.
Exemplo 2: paciente com sintomas de infarto (taquicardia, dor no braço, hipertensão, vômito e/ou outros) e o médico faz todos os exames preventivos e aplica a terapêutica correta e, a despeito de tanto, o paciente falece. Neste caso, não há falar em culpa sua. Entretanto, se o paciente falece porque o médico não diagnosticou o problema cardíaco, aí sim estamos falando de culpa, já que não se valeu dos meios diagnósticos e terapêuticos adequados para coibir algo que era previsto e evitável.
Assim, depreende-se das comparações elencadas acima, que resultado desfavorável não é sinônimo absoluto de falta profissional. Contudo, é imperioso que fique claro que, em alguns casos, o resultado inexitoso guarda relação de causalidade com a conduta negligente, imprudente ou imperita do profissional.
Portanto, apesar da dificuldade na delimitação do que seja erro médico ou fatalidade (que chega a confundir o observador) é útil que se saiba que são acontecimentos com latifundiária diferença, cuja definição deve partir de um estudo responsável e minucioso, vez que a conclusão deturpada da realidade poderá resultar em movimentos injustos e desleais, tanto em detrimento de médicos quanto em prejuízo de pacientes.
Giovanna Trad Cavalcanti, advogada especialista em Direito Médico e da Saúde.