O posicionamento que prevalece nos tribunais e no Superior Tribunal de Justiça é de que o cirurgião plástico assume obrigação de resultado quando presta serviço calcado no exclusivo mister embelezador. Tal obrigação consiste no compromisso do profissional em garantir êxito no resultado do tratamento. O dever, aqui, não se exaure no esforço e na correição de conduta do facultativo, mas em entregar exatamente aquilo que fora planejado e convencionado. Nesta qualidade de obrigação, ao profissional recai o encargo de provar que o dano não foi causado por culpa sua. Se não tiver êxito em provar sua “inocência” na configuração do evento danoso, será condenado a pagar as indenizações pleiteadas. O proveito do resultado é naturalmente aguardado e, por isso, não sendo materializado, opera-se a responsabilização do devedor.
Já a tese que rejeita a obrigação de resultado nas intervenções puramente estéticas encontra mais adeptos entre os doutrinadores, mas a sua aplicação é ainda bem restrita na jurisprudência. Atualmente, o ministro Ruy Rosado de Aguiar, um dos precursores dessa corrente, é o único que- no Superior Tribunal de Justiça- segue essa linha de proposição. Nos Tribunais afora, existem alguns julgados esparsos, mas não são atuais.
Prefacialmente à demonstração e comentários jurisprudenciais, insta trazermos algumas regras de peso que são computadas à saciedade nos julgamentos. A primeira é a de que, apesar de pender o regramento processual da inversão do ônus da prova em face do cirurgião plástico (obrigação de resultado), a sua responsabilidade sempre será apreciada de maneira subjetiva, isto é, comprovando que o dano não guardou liame com o seu agir, estará desincumbido de responder pelos prejuízos alegados. A segunda consiste em examinar se o resultado oriundo da cirurgia é apenas fruto da insatisfação pessoal do paciente ou se realmente desatendeu aos reclamos que o seu núcleo propunha e prometia. A terceira é em relação ao recrudescimento do dever de informação ao qual este profissional encontra-se vinculado, por vender serviços cujo objeto é a vaidade humana, o que intensifica os rigores delineados pelo Código de Defesa do Consumidor.
A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (BRASIL, NOTÍCIA STJ.), em um caso colocado sob sua apreciação, fortificou o entendimento de que o mero resultado insatisfatório não caracteriza o inadimplemento contratual de fim do médico. Ainda destacou que a simples apreciação subjetiva do paciente não está apta a embasar a transgressão do dever de resultado. Na situação, a paciente alega que adquiriu cicatrizes consideráveis e excessos de pele após ter passado por cirurgia nas mamas. No processo, o médico envidou provar que tais lesões decorreram de fatores imprevisíveis, circunstância que interceptou qualquer ligação com o seu comportamento. Logo, definiu o Ministro Relator que “percebe-se a tênue fronteira entre o erro médico e a mera insatisfação do lesado. Porém, se o resultado ficou aquém das expectativas da paciente, isso não quer dizer que houve falhas durante a intervenção”.
A notícia em alusão arremata:
Com base nisso, ele afirmou que “é evidente, portanto, que o aparecimento do nódulo é causa excludente da responsabilidade do médico, pois incontroverso ser fator imprevisível e inesperado, o que rompe o nexo causal entre a conduta do profissional e o suposto dano”.
Quanto à obrigação de meio, relativa às finalidades terapêuticas da cirurgia, o ministro afirmou que “igualmente não há nos autos comprovação alguma de falha técnica do médico ou de que este não cumpriu o seu mister”. O relator citou trecho da perícia atestando o sucesso do procedimento: “O resultado da mastoplastia redutora foi atingido em relação à redução do volume da mama”, dizia o documento.
Na opinião do perito, o resultado estético foi bom. Todavia, segundo ele, o resultado estético buscado pela paciente não era o bom ou satisfatório, e sim “o muito bom ou excelente”. ( BRASIL, NOTÍCIA STJ.).
Noutra contenda, uma mulher atribuiu ao médico a responsabilidade pelos danos oriundos do processo alérgico obtido nos seios operados. O profissional defendeu-se sob o manto de que não poderia evitar a inauguração da alergia. O Tribunal Local proferiu acórdão condenando o médico, sustentando que o mesmo não provou a ocorrência de caso fortuito. Ainda imputou-lhe a responsabilidade porque deixou de prestar as devidas e necessárias informações a paciente.
Os autos chegaram ao Superior Tribunal de Justiça (Brasil, Superior, São Paulo, 2012), que sequer conheceu do recurso especial aviado pelo médico, sob a consideração de que tais fatos restaram constatados pelo tribunal singelo, sendo impassível de análise na via especial. Apesar disso, consignou seu entendimento sobre o assunto, corroborando os fundamentos materiais do acórdão recorrido, conforme segue o conteúdo da ementa:
DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO. CIRURGIA PLÁSTICA. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. SUPERVENIÊNCIA DE PROCESSO ALÉRGICO. CASO FORTUITO. ROMPIMENTO DO NEXO DE CAUSALIDADE.
1. O requisito do prequestionamento é indispensável, por isso inviável a apreciação, em sede de recurso especial, de matéria sobre a qual não se pronunciou o Tribunal de origem, incidindo, por analogia, o óbice das Súmulas 282 e 356 do STF.
2. Em procedimento cirúrgico para fins estéticos, conquanto a obrigação seja de resultado, não se vislumbra responsabilidade objetiva pelo insucesso da cirurgia, mas mera presunção de culpa médica, o que importa a inversão do ônus da prova, cabendo ao profissional elidi-la de modo a exonerar-se da responsabilidade contratual pelos danos causados ao paciente, em razão do ato cirúrgico.
3. No caso, o Tribunal a quo concluiu que não houve advertência a paciente quanto aos riscos da cirurgia, e também que o médico não provou a ocorrência de caso fortuito, tudo a ensejar a aplicação da súmula 7⁄STJ, porque inviável a análise dos fatos e provas produzidas no âmbito do recurso especial.
4. Recurso especial não conhecido”. (BRASIL, SUPERIOR, SÃO PAULO, 2012).
Os Tribunais também estão fitando com acurada atenção e critério técnico a questão do resultado frustrado. Nessa perspectiva, veja-se julgado exarado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (Brasil, Tribunal de Justiça, MG,), que vaticinou que o dever de fim assumido pelo médico fora atendido, com o fundamento de que as cicatrizes desenvolvidas eram compatíveis ao tipo da cirurgia realizada:
RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS materiais, MORAIS e estéticos. cirurgia plástica de mamoplastia. suposta falha por parte do médico quanto ao resultado da cirurgia. cicatrizes. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL. DANOS NÃO caracterizados.
O conjunto fático-probatório da demanda apontou que o resultado alcançado pela cirurgia plástica de mamoplastia que a parte autora se submeteu foi satisfatório, com cicatrizes compatíveis com o procedimento. Assim, não se pode imputar ao demandado a ocorrência de qualquer procedimento inadequado quanto aos serviços prestados, razão pela qual não há falar na sua condenação ao pagamento de indenização por danos materiais, morais e/ou estéticos. (BRASIL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA/MG,).
É cediço que os esclarecimentos transmitidos pelo médico ao paciente, isoladamente, não afastam a responsabilidade civil daquele. No entanto, se destinam a complementar o raciocínio do magistrado, que sempre avalia com bons olhos a reputação do profissional que presta, de forma adequada e exaustiva, as informações que garantem a autonomia de seu assistido.
Nesse sentido, segue ementa de um acórdão lavrado pela 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (2012):
RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. CIRURGIA PLÁSTICA. ABDOMINOPLASTIA. NECROSE. Pretensão da autora à indenização por danos morais e materiais decorrentes de necrose resultante do procedimento cirúrgico. Cicatriz aparente no abdômen da autora.
1. A necrose é intercorrência possível em cirurgias plásticas. Pode ser causada por diversos fatores. No caso em exame, embora tenha sido constatada a adequação dos procedimentos cirúrgicos adotados, a autora sofreu necrose. Causa não identificada.
2. A autora tinha ciência dos riscos da cirurgia, dentre eles, a necrose. Embora o cirurgião assuma obrigação de resultado, não pode ser responsabilizado por eventuais intercorrências normais. É risco imanente ao procedimento cirúrgico escolhido pela autora. Dever de informação cumprido pelo réu. Consentimento informado colhido expressamente.
3. Em cumprimento à obrigação de resultado assumida, o réu dispôs à autora diversos tratamentos. Após um ano e meio, a autora abandonou o tratamento sob o fundamento de que havia perdido a confiança. Era nítida a evolução do quadro, como comprovado nos autos, e não havia razão para duvidar da competência do réu. Cabia-lhe, portanto, seguir as recomendações. Entretanto, desistiu do tratamento e ajuizou a presente demanda. Recurso provido para julgar improcedente os pedidos de indenização”. (BRASIL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA, APL 127670720058260322. 2012).
Em inúmeros eventos, a deformidade provocada pela cirurgia embelezadora ressoa tão evidente, que o juízo- apenas com documentos anexados na inicial- antecipa o julgamento da lide. Foi o que se sucedeu em um caso apreciado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, (Brasil, Recurso n. 7100349875, 2012) no qual uma mulher passou por cirurgia para implantar prótese nos glúteos, cuja intervenção, além de não ter produzido o resultado que se era esperado e legítimo (não os avantajou) causou piora significativa em sua forma estética (assimetria e deformidades), motivos que determinaram na condenação da médica. Segue a ementa do litígio aduzido:
Responsabilidade civil. cirurgia estética. responsabilidade da clínica por erro da médica que realizou a cirurgia plástica. colocação de próteses de glúteo. vazamento de uma das próteses. realização de segunda cirurgia no glúteo direito que ficou com tamanho e forma diferentes do esquerdo. obrigação de resultado não alcançada. indenização prudentemente arbitrada em metade do valor cobrado pela cirurgia. desnecessidade de perícia.
1. É desnecessária a realização de perícia quando há prova documental, especialmente fotográfica, que revela a deformação provocada pela cirurgia estética realizada.
2. Ao contrário do sustentado pela recorrente, a médica e preposta da clínica, refere que o resultado final da cirurgia já seria visível com três meses (fl. 12), sendo pois suficientes os seis meses decorridos antes do ajuizamento da ação para a apreciação do insucesso da cirurgia estética de colocação de próteses nos glúteos realizada.
3. A culpa da preposta da ré é manifesta, pois o resultado final da cirurgia é diferente do que foi informado e daquele que legitimamente esperava a autora obter. Não pretendia a autora resultado que desconsiderasse a sua própria condição anatômica, mas apenas que seus glúteos ficassem avantajados em relação à sua condição original. Porém, além disso, não ter sido alcançado, resultou em um dos glúteos maior do que o outro e, ainda, com deformidades.
4. Como bem ressaltado em precedente do STJ: “O que se pretende obter com a cirurgia estética é algo que se pode dispensar e certamente se dispensará se os riscos forem grandes. Se o profissional dispõe-se a efetuá-la é porque avaliou e concluiu que não o são. Verificando-se a deformação, em lugar do embelezamento, goza de verossimilhança a assertiva de que a melhor técnica não ter sido seguida, ensejando a aplicação do art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor. Nem haverá qualquer desatenção ao que estabelece o art. 14, § 4º, do mesmo Código… (RSTJ 119/290-309)” Apud Cavalieri Filho, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 5ª Ed. RJ, Malheiros, 2004, p. 381/382.
Sentença confirmada por seus próprios fundamentos.
Recurso improvido”. (BRASIL, RIO GRANDE DO SUL, RECURSO n. 7100349875. 2012).
A insatisfação no resultado de um transplante capilar levou uma senhora a postular pedidos indenizatórios contra o cirurgião plástico. Argumentou que o procedimento não atingiu seu fim, que seria o preenchimento total da parte frontal de sua cabeça. Na defesa, a médica sustenta que a paciente fora advertida de que seria necessário um segundo procedimento (retoque). O Tribunal do Paraná[1], diante das provas, decretou que a profissional não violou seu dever de fim e ainda imputou a paciente a culpa pelo insucesso do transplante, sob a assertiva:
[…] que é normal a cirurgia de implante capilar precisar de complementação, mediante a realização de outras cirurgias. Igualmente restou satisfatoriamente comprovado, que a técnica cirúrgica utilizada pela apelada foi adequada. Com efeito, o resultado pretendido pela autora/apelante e prometido pela requerida/apelada, conforme demonstraremos no tópico seguinte, dependia de complementação, com a realização de retoque, que somente não foi realizado, por desídia da própria autora. (BRASIL, APELAÇÃO CÍVEL n. 816016-1. 2012).
Pelo fluir dos casos concretos ora colacionados, é de se concluir que a jurisprudência dominante (nos procedimentos que revolvem unicamente a beleza) condiciona o sucesso da cirurgia ao adimplemento contratual do médico. Uma vez demonstrada a violação da obrigação de resultado, o profissional atrairá para si a responsabilidade civil. Mas o mero fato de a obrigação ser de resultado não ocasiona, de modo natural, a condenação do facultativo, sendo vários os motivos que justificam a improcedência das argumentações do paciente, tais como, a demonstração pelo médico de que o seu compromisso contratual de fim fora cumprido ou, ainda, a comprovação de que o dano dissociou-se do comando de sua previsibilidade e conduta. O mais importante é termos em mente que, a mera alegação de mau resultado feita pelo paciente, não tem força para caracterizar a existência do descumprimento contratual de fim, tendo em vista que esta resposta depende de uma metodologia processual séria e criteriosa.
Giovanna Trad, advogada especialista em Direito Médico e da Saúde.
[1] Apelação cível. Ação de indenização por danos morais e materiais. Cirurgia plástica (implante capilar). Natureza estética. Obrigação de resultado. Incidência do código de defesa do consumidor. Perito médico que está apto a proceder a perícia, não havendo necessidade de especialidade em cirurgia plástica, tampouco em implante capilar. Inadimplemento contratual e imperícia não demonstrados. Insucesso da operação que decorreu da desídia da própria autora, que apesar de informada, previamente, sobre a necessidade de complementação da cirurgia (retoque), para se chegar ao resultado almejado, recusou-se a dar continuidade ao tratamento. Dever de indenizar não configurado. Apelação conhecida e não provida. (apelação cível n. 816016-1, Des relator, Francisco Luiz Macedo Júnior, em 09/02/2012).