Os tribunais já consolidaram o entendimento no sentido de que a obrigação do médico é de meios (com exceção da cirurgia plástica embelezadora) isto é, o seu dever consiste em trabalhar com o máximo de esforço, dedicação, perícia, utilizando todos os elementos técnicos (lícitos a aceitos), com o intuito de que o tratamento atinja sucesso, o que não quer dizer que está comprometido a alcançá-lo.
Ou seja, trabalhar adequadamente é o que basta, pouco importando, para fins de responsabilização judicial, se o resultado almejado não ocorreu.
Isso porque a medicina é, em sua essência, uma ciência inexata. A cura ou o resultado satisfatório não depende apenas do esforço, conhecimento e capacidade do médico, mas de outros fatores que escapam do seu controle, quais sejam: 1. Reação desfavorável do organismo de cada paciente (cada ser reage de maneira distinta a um mesmo tratamento aplicado), 2. Danos inerentes ao procedimento, que não significa “erro médico”, 3) Eventos decorrentes da idade avançada, comorbidades associadas, cirurgias prévias, estágio avançado da doença, dentre outros, 4) Eventos adversos oriundos de falhas na prestação de serviços de outros profissionais que atuam no processo de cuidado, como enfermagem, fisioterapeutas, etc, ou irregularidades estruturais e de gestão na Rede Pública de Saúde (falta de equipamentos, medicamentos, falta de especialistas, falta de vagas na UTI), 5) Culpa do próprio paciente na produção do resultado desfavorável, e aí citamos o descumprimento às prescrições e orientações médicas, omitir do médico fatos e dados relevantes indispensáveis na condução da abordagem terapêutica. Os hábitos de vida do paciente (tabagismo, etilismo, alcoolismo) também são determinantes para a resolução ou não da cirurgia.
Por isso, a maioria das especialidades médicas se enquadra no instituto jurídico da obrigação de meios (tais como pediatria, cardiologia, oncologia, gastroenterologia, etc), pois o médico já trabalha com um corpo doente, sujeito a sofrer variações desfavoráveis imprevisíveis e que independem da probidade da conduta do facultativo. Diante disso, quando o paciente não apresenta cura ou melhora, presume-se que tal quadro é característico de suas condições, e não resultante do atuar médico.
Já na cirurgia plástica e procedimentos dermatológicos embelezadores, o STJ entende que a obrigação do médico é de fim, ou seja, a culpa do profissional pelo desfecho ruim é presumida (sob a alegação de que o paciente está com a saúde em ordem), razão porque inverte-se o ônus da prova e, neste caso, o médico é quem fica com a incumbência de derruir as alegações do paciente.
Mas independentemente da modalidade de obrigação que o médico se amolda (meios ou de resultado), jamais deve prometer resultado positivo ao paciente. Anunciar resultado certo e determinado na medicina, por óbvio e por tudo que foi explanado acima, configura violação ao dever de bem informar e publicidade enganosa.
Portanto, se o médico, fornecedor de serviços que é, garantir resultado satisfatório em suas intervenções, automaticamente estará obrigado a entregar o serviço exatamente nos moldes prometidos, sob pena de ser obrigado a pagar indenização por danos morais, estéticos, existenciais e materiais (consistentes em devolver o valor que o paciente desembolsou, pagar as despesas médico-hospitalares aptas a reparar o resultado que não atendeu as legítimas expectativas do paciente e, em algumas situações, bancar o pagamento da pensão alimentícia quando houver perda da capacidade laborativa do doente ou morte).
O Código de Defesa do Consumidor repudia a publicidade enganosa (art. 6º), e prescreve que “toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado” (art. 30).
Aliás, a prática constitui crime contra as relações de consumo (art.61 CDC).
Quando o médico lança mão das famigeradas fotografias do “antes e depois” (nos mais variados veículos de comunicação, ou quando faz a demonstração presencialmente ao paciente); quando menciona que o tratamento vai curar; quando sugere resultado proveitoso ao mencionar que determinado medicamento “salvou” a vida de outros pacientes (mas sem fazer ressalvas dos riscos e das particularidades ao paciente que está recebendo a informação), ele- médico- acaba atraindo para si a responsabilidade de entregar o serviço nos exatos termos propostos, ainda que o profissional tenha agido com maestria e dentro dos rigores científicos que regulam o caso concreto.
Daí a conta pode sair cara demais.
Assim, médico, todo cuidado é pouco na hora de vender seus serviços. Antes de dizer para o paciente que o medicamento irá promover a sua cura; antes de difundir a informação, antes de divulgá-la em sites e mídias sociais, antes de imprimir os materiais gráficos, revise o texto com calma; faça a leitura do seu código de conduta profissional (e dos artigos do Código de Defesa do Consumidor pertinentes) para se certificar que a propaganda não viola o que prescreve a lei. Se o profissional tiver disponibilidade, apresente a redação ao advogado de sua confiança para os ajustes devidos.
Vale dizer que muitas vezes o médico -ao prometer resultado satisfatório dos seus serviços- sequer imagina as sérias consequências que poderá sofrer. Alguns, sabemos, agem assim por ingenuidade ou por total desconhecimento das normas legais, contudo isso não pode ser utilizado como “desculpa”, já que ninguém pode deixar de cumprir a lei alegando seu desconhecimento (art. 3º Lei de Introdução ao Código Civil).
Por isso reafirmo que é prudente que o médico adote os cuidados mencionados, pois a informação transmitida de forma inadequada (ilegal) poderá se transformar em um pesadelo, tendo o profissional que prestar contas aos seus pares no CRM e/ou no âmbito do Poder Judiciário (o que por si só já é um constrangimento), com riscos de comprometer uma carreira médica sólida, e ainda arruinar a sua estrutura patrimonial e/ou de sua empresa.
O direito do paciente é do tamanho das expectativas que o seu médico lhe incutiu. Assim, fique alerta.
Giovanna Trad Cavalcanti, advogada especialista em Direito Médico e da Saúde.