Segundo dados internacionais já disponíveis, é correto afirmar que a maioria dos eventos adversos ocorridos durante o processo de cuidado ao paciente advém de falha humana. Tais estudos não se contrapõem às constatações das quais estamos acostumados a olhar com consternação na imprensa escrita e falada. Pacientes admitidos em Instituições Hospitalares para curar-se de uma enfermidade e que, lamentavelmente, saem de lá com patologias e complicações não relacionadas a tal enfermidade, o que pode resultar no prolongamento da internação, necessidade de intervenções diagnósticas e/ou cirúrgicas, lesão temporária ou permanente, inclusive responder com a morte.
Não é exagero dizer que muitos destes eventos danosos se configuram porque o profissional da saúde, incluindo-se neste campo, médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, dentre outros, não dimensionam os perigos que rondam sua atividade, cujo comemorativo afigura-se extremamente ameaçador, uma vez que, ao ignorar a certeza de que determinado procedimento possa gerar consequências nocivas ao seu assistido, o profissional passa a trabalhar de forma desatenta, desavisada e imprudente. E justamente nesses momentos é que reside o perigo.
Nessa ordem de ideias, não há como se descurar da assertiva de que a percepção do risco é uma premissa que deve ser seguida por todos aqueles que lidam diariamente com a saúde e vida humana.
“Para a psicologia a percepção é o processo ou resultado de se tornar consciente de objetos, relacionamentos e eventos por meio dos sentidos, que inclui atividades como reconhecer, observar e discriminar. Essas atividades permitem que os organismos se organizem e interpretem os estímulos recebidos em conhecimento significativo”. (APA, 2010, p. 695).
Assim, não são todos os indivíduos que conseguem extrair das situações elementos objetivos da relidade, ou seja, nem todos percebem a verdade presente no objeto. Isso ocorre por diversos fatores. Mas o que se deve ter em mente é que a deturpação da realidade feita pelo observador tem o condão de modificar o fenômeno.
Destarte, a boa percepção se faz valiosa em quase todos os atos que praticamos no decorrer de nossa vivência, como no trânsito, por exemplo. A maioria dos condutores sabe da existência de regras que devem ser cumpridas. Todavia, não são todos que as obedecem. Isso porque cada um tem uma percepção diferente dos perigos inerentes à própria arte de dirigir. Aqueles que temem o perigo dirigem preventivamente, no intuito de coibir um acidente. Já aquela corrente destemida, que dá de ombros ao perigo, dirige desprovida de cautela e prudência.
Com efeito, uns ou outros se furtam de seu dever de dirigir dentro dos limites de velocidade crentes de que isso não acarretará em nenhum prejuízo. Geralmente pensam “Ah, não vai acontecer nada” ou “É só hoje” ou “É o último dia”. E os acidentes ocorrem, na maior parte das situações, nessas condições de desatino, pressa, imprudência e desatenção.
Não se está a negar que os infortúnios nunca ocorrerão. Isto seria uma façanha sobre-humana. No entanto, os seus desdobramentos podem ter uma repercussão menos nociva, a depender do temor e discernimento de cada um frente ao risco. Ora, se eu tenho consciência de que o perigo existe, eu posso me valer de mecanismos para diminuí-lo, como utilizar capacete, não ultrapassar de forma inadequada, não dirigir com excesso de velocidade, triplicar os cuidados em dia chuvoso, dentre outras medidas.
Desse modo, o indivíduo que se comporta exemplarmente frente ao risco tem mais chances de salvaguardar a sua integridade física e a de terceiros. O uso do capacete e a velocidade controlada, por exemplo, são instrumentos que previnem um traumatismo craniano.
Pois bem. É essa noção de perigo que o profissional da saúde deve ter em mente quando presta seus serviços. Ter consciência de que o risco é inerente ao trabalho que desenvolve para, a partir daí, elaborar medidas com vistas a preveni-lo, eliminá-lo ou minimizá-lo. Para iniciar o processo preventivo, primeiramente se faz necessário identificar quais os atos/procedimentos/condições que são mais vulneráveis à configuração de um evento adverso. Depois, averiguar- mediante estudo minucioso- o fato gerador de aludidos riscos. Ao final, traçar um programa com a finalidade de solucionar o problema.
Para melhor compreender o raciocínio exposto acima, imaginem os riscos- pelos quais estão suscetíveis os idosos, as crianças e aqueles que estão sob efeito de droga- de sofrer uma queda no ambiente hospitalar. Assim, compreendendo que essas condições induzem à ocorrência desse evento adverso, os responsáveis devem implementar como rotina rígida e continuada o trabalho preventivo. Mas como? Não deixar a maca sem grades de proteção em hipótese alguma, redobrar os cuidados da equipe de enfermagem, pedir a presença constante de um acompanhante, acompanhar o paciente no banho, dentre outras ferramentas.
Nessa linha de raciocínio, não é errado admitir que a queda é um evento adverso fácil de ser evitado. Para tanto, as medidas preventivas supra descritas devem ser adotadas, o que evitará que o paciente saia do Hospital com uma patologia alheia a sua doença de base. A noção de perigo e a cautela do bom profissional coíbem que o assistido venha a óbito ou sofra intervenções cirúrgicas e terapêuticas desnecessárias.
Já o médico e/ou Hospital desprovidos da noção do perigo e de uma cultura responsável, certamente não exercerão nenhuma atenção aos pacientes de risco. E são nesses momentos de vulnerabilidade, de indiferença e de menosprezo, que ocorrem as quedas. E o paciente que padece de simples depressão poderá sair do Hospital imediatamente para o túmulo.
De tal arte, conclui-se, à toda evidência, que a percepção do risco por parte daqueles que cuidam da saúde é um elemento capaz de manter ou alterar o rumo e o final da história de cada paciente internado, que pode ser trágico ou feliz, a depender da aceitação e da dimensão que cada profissional atribuir ao perigo. Afirmo, sem embargo de dúvida, que o perceptivo tende a trilhar no caminho da prevenção e, como corolário, insere o seu paciente no ambiente em que merece e deve ficar, qual seja, em uma Casa de Saúde que lhe assegure segurança, com a garantia de que não terá nenhum prejuízo estranho à patologia que motivou a sua internação.
Giovanna Trad, advogada com experiência em Direito Médico e da Saúde.