O espírito de classe na medicina é coisa do passado, ainda mais agora neste momento histórico de enfrentamento de combate à corrupção que estamos vivendo. De mais a mais, os conselhos, autarquias federais que são, devem seguir rigorosamente os princípios da administração pública, quais sejam, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Esses conselhos exercem um serviço de natureza pública, de palmar relevância à sociedade, cujo fim maior é atuar em defesa da saúde da população. A transparência e o rigor na execução de suas funções são medidas cogentes, e quando ocupam o desiderato de julgar e punir seus pares, a situação não é diferente.
Assim, para preservar o prestígio da classe e a saúde dos cidadãos, os julgamentos tem que ser necessariamente imparciais. Nesse sentido, uma vez denunciado no Conselho Regional de Medicina não há como o médico contar com o “coleguismo” para ser absolvido. Se aspira justiça (absolvição ou ponderação na aplicação da pena), deve se apoiar indubitavelmente na adequação de sua defesa, que consiste no seguinte tripé: 1. Presença de advogado (a) desde a fase de sindicância, 2. Defesa especializada, 3. Perícia médica na hipótese de a denúncia fundar-se em falha técnica.
A sindicância é um instrumento preliminar e sumário de investigação, e pode derivar, por exemplo, da denúncia de um paciente ou familiar, de um encaminhamento feito pelo Ministério Público, Judiciário, Instituições de saúde e outras entidades, e ainda ser instaurada de ofício pelo CRM, ou seja, independentemente da existência de uma representação. Basta que este referido órgão tome conhecimento de um fato digno de averiguação, como uma notícia na imprensa, para que o procedimento seja iniciado. Neste estágio, não há aplicação de penalidades. Repita-se, o seu objetivo é apenas angariar informações sobre os fatos (manifestações das partes, inclusive com juntada de provas, como laudos, prontuários, literatura, arrolar testemunhas, etc.) para se apurar eventuais indícios de infração ética. Se a conclusão da sindicância, por meio de uma decisão colegiada, sinalizar que o médico, em tese, infringiu algum artigo do Código de Ética Médica e/ou resoluções, instaurar- se -á o processo Ético Disciplinar (PEP). Se concluírem que o caso não caracteriza transgressão aos preceitos do CEM, o procedimento será arquivado.
Importante registrar que a presença do advogado na sindicância não é obrigatória. Sendo assim, o médico acaba elaborando sua manifestação sozinho (até por não dimensionar a profundidade do problema). E isso não é aconselhável, aliás é temerário. Primeiro pelas circunstâncias emocionais desfavoráveis próprias de quem sofre injustamente uma denúncia, sendo que tal abalo retira do denunciado a serenidade necessária para conduzir uma argumentação de defesa tão importante e decisiva para sua vida profissional. Qualquer palavra mal empregada, a exacerbação no tom de voz, uma explicação deturpada, o lapso ao deixar de prestar informações e apresentar provas tão decisivas, pode ser contraproducente e perigoso, inclusive prejudicar a sua defesa em eventuais processos cíveis e criminais em trâmite. Segundo porque, se não houver uma estratégia jurídica, produzida por um profissional da advocacia, é muito provável que o médico, solitariamente, não consiga derruir os indícios de violação ao CEM que pesam em seu desfavor (mesmo que seja “inocente”), sendo inevitável, daí, a instauração de um processo ético-disicplinar, este sim extremamente demorado, complexo, estressante e hábil a penalizar o facultativo.
Deste modo, a despeito de não ser exigida, a presença do advogado é extremamente necessária na sindicância, pois a solidez da tese jurídica é capaz de afastar indícios e dúvidas de infração ética, com consequentemente ARQUIVAMENTO do procedimento. Lamentavelmente, a maioria dos profissionais contrata os serviços de um advogado tarde demais, na fase crítica, apenas quando é intimado para apresentar sua defesa prévia no PEP.
E mais, se as manifestações na sindicância forem feitas inadequadamente, sem nenhuma técnica, a defesa no PEP fica mais espinhosa, comprometendo as chances de uma absolvição e até de um apenamento mais justo e brando (o médico corre o risco de ser apenado, por ex., com a suspensão do exercício profissional por 30 dias quando caberia, no máximo, uma advertência confidencial em aviso reservado), pois querendo ou não o processo ético é motivado pelos elementos colhidos na sindicância, sendo que tudo o que ali é registrado acaba fazendo eco no julgamento do PEP.
Tanto na sindicância quanto no PEP, recomenda-se a contratação de um advogado com especialidade e experiência na área, que conhece com profundidade a matéria, os códigos que regem a profissão e os meandros da medicina. Assim, as chances de arquivamento da sindicância (o que significa economias financeira e de tempo, e prevenção de dissabores) e de uma absolvição no PEP serão deveras maiores. Basta que façamos essa rápida reflexão: quem está mais habilitado para executar uma cirurgia de coluna, o ortopedista ou o psiquiatra?.
Por fim, se o objeto da denúncia está concentrado na alegação de irregularidades no procedimento médico, é oportuno que o advogado trabalhe em conjunto com um perito que detenha especialidade na esfera discutida, para que a tese jurídica seja desenvolvida dentro dos subsídios médicos que retratam a realidade do caso.
Giovanna Trad, advogada, sócia do Trad & Cavalcanti, especialista em Direito Médico e da Saúde, Presidente da Comissão de Biodireito da OAB/MS.