Introdução
Médico, se você procura maneiras legais de reduzir os impostos da sua clínica, é possível que você já tenha ouvido falar do benefício tributário da equiparação hospitalar para clínicas médicas e se perguntado se sua clínica tem direito a esse benefício. Neste artigo, vamos te mostrar o passo a passo para reduzir a carga tributária e aumentar a lucratividade da sua empresa.
Afinal, todas as empresas, independentemente do porte, estão sujeitas ao pagamento de tributos.
DUAS COISAS SÃO CERTAS NA VIDA, A MORTE E OS IMPOSTOS! (frase de Benjamin Franklin)
Frase acima foi proferida por Benjamin Franklin, há séculos, mas continua bastante atual.
Assim, com as clínicas médicas isso não é diferente, posto que a prestação de serviços médicos está sujeita, em regra, ao recolhimento dos seguintes tributos: IR, CSLL, COFINS, PIS e ISS, representando uma carga tributária extremamente elevada para as empresas da área da saúde, mesmo quando optantes do regime do Simples Nacional que, teoricamente, é mais econômico. https://tradecavalcanti.com.br/reducao-de-tributos-para-clinicas-medicas/
Apesar disso, visando fomentar o direito social à saúde, que constitui um direito fundamental de todo cidadão brasileiro[1], a União Federal editou a Lei 11.727/2008, estendendo a redução da carga tributária de Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) para serviços equiparados à hospitalares prestados por particulares, garantindo-se, assim, maior inclusão e a desoneração relativa a encargo constitucional do ente público de promoção à saúde.
Assim sendo, o benefício tributário da equiparação hospitalar para clínicas médicas ganhou força recentemente com o julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) – do Tema repetitivo nº 217/STJ (REsp nº 1.116.399), vinculante para todo o Poder Judiciário do Brasil – no qual se decidiu que o conceito de “serviços hospitalares” previsto no art. 15, §1º, III, “a”, da Lei n. 9.249/95, abrange também os serviços não prestados no interior do estabelecimento hospitalar e que não impliquem em manutenção de estrutura para internação de pacientes, ou seja, para alcançar não apenas os serviços prestados no interior do hospital, mas todos aqueles que são voltados à promoção da saúde https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?novaConsulta=true&tipo_pesquisa=T&cod_tema_inicial=217&cod_tema_final=217.
Logo, o STJ considerou que o tratamento fiscal deve ser analisado objetivamente, isto é, devem ser considerados abrangidos por tal descrição legal todos serviços “ligados diretamente à promoção da saúde, essencial à população, nos termos do art. 6º da Constituição Federal”, independentemente de estrutura própria.
Destarte, como o contribuinte não recebe em seu estabelecimento aviso sobre redução tributária, o que temos visto na prática é que uma grande quantidade de clínicas e laboratórios médicos que se enquadram nos requisitos legais do referido benefício fiscal continuam recolhendo IRPJ e CSLL indevidamente, além do valor realmente devido.
Ao longo dos próximos tópicos, vamos responder questões como o que é, em que consiste, quais são os requisitos e quem pode se beneficiar da equiparação hospitalar, bem como a mostrar a redução drástica da carga tributária, quando utilizado o benefício tributário da equiparação hospitalar para clínicas médicas.
O que é a equiparação hospitalar?
A equiparação hospitalar é como ficou conhecido o benefício tributário previsto nos artigos 15, §1º, inciso III, alínea “a”, e 20, inciso III, da Lei 9.249/1995.
Dessa forma, podemos dizer que a equiparação hospitalar é a extensão do benefício concedido aos hospitais na tributação favorecida do IRPJ e da CSLL aos serviços médicos voltados diretamente à promoção da saúde, ainda que não realizados no interior do estabelecimento hospitalar.
Em que consiste o benefício da equiparação hospitalar?
Consiste na redução de 75% do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e 62,5 % da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), condicionada ao preenchimento de alguns requisitos legais, que mais adiante vamos elucidar.
Isso quer dizer que, em vez de o IRPJ e a CSLL ser calculada sobre uma base presumida de lucro de 32% da receita bruta, a empresa passará a pagar sobre uma base presumida de lucro de 8%.
Somente para se ter noção em números, elaboramos uma simulação comparando a carga tributária com e sem o benefício da equiparação hospitalar, tendo por base uma receita bruta de R$ 60.000,00 no mês:
Carga tributária sem equiparação hospitalar
TRIBUTO | VALOR | % S/ FAT |
IRPJ (15% X R$ 19.200,00) | 2.880,00 | 4,80% |
CSLL (9% X R$ 19.200,00) | 1.728,00 | 2,88% |
Totais | 4.608,00 | 7,68% |
Carga tributária com equiparação hospitalar
TRIBUTO | VALOR | % S/ FAT |
IRPJ (15% X R$ 4.800,00) | 720,00 | 1,20% |
CSLL (9% X R$ 7.200,00) | 648,00 | 1,08% |
Totais | 1.368,00 | 2,28% |
Confrontando as duas formas de apuração, observamos que o cálculo do IRPJ e da CSLL com o benefício fiscal da equiparação hospitalar representou uma economia de R$ 3.240,00, equivalente a 5,40% do faturamento (R$ 60.000,00), em comparação com a apuração sem o benefício fiscal.
Nesse cenário a empresa economizaria R$ 38.880,00 em 12 meses.
É importante observar que essa redução pode chegar em até 7,80%, conforme for aumentando a receita bruta auferida pela empresa, dada a incidência do Adicional de Imposto de Renda quando o lucro presumido for superior a R$ 60.000,00 no trimestre.
Quais são os requisitos?
- Ser optante do Regime Tributário do Lucro Presumido.
- Ser constituída como sociedade empresária.
- Atender às normas da Anvisa.
- Prestar serviços médicos equiparados à hospitalares (serviços voltados diretamente à promoção da saúde).
Quem pode se beneficiar da equiparação hospitalar?
Clínicas Médicas que prestam serviços equiparados a hospitalares, ou seja, serviços voltados diretamente à promoção da saúde, como por exemplo: exames laboratoriais e de imagens e cirurgias, excluídas meras consultas.
Veja alguns exemplos de procedimentos que podem ser equiparados à hospitalares:
- Cirurgias gerais, tais como: plástica e reparadora, dermatológica, vascular, cardíaca, oftalmológica, ortopédica, otorrinolaringológica, pediátrica, proctológica, urológica, cardiológica, anestesiológica, etc.
- Transporte aéreo e terrestre de pacientes de UTI.
- Aplicação de toxina botulínica, biópsia de lesões dermatológicas, crioterapia, eletrocauterização de lesões cutâneas, esfoliação química superficial (peeling), infiltração de lesões dermatológicas, retirada de lesões dermatológicas, preenchimento com ácido hialurônico, carboxiterapia, curetagem, infiltração intralesional, sculptra, harmonização facial, lasers, entre outros.
- curativos, vacinas, fisioterapia, remoção de sinais, administração de medicamentos, terapias, internação.
- Atividade de reprodução humana assistida.
- Serviços de Oncologia.
- Transplante capilar, implante de barba, tratamentos capilares, tais como: corticoide Intralesional, microagulhamento, mesoterapia capilar, microinfusão de medicamentos na pele, entre outros.
- Implantes hormonais.
- Exames.
- Procedimentos ambulatoriais.
- Home Care.
Estão de fora da tributação especial, consultas médicas e atividades de cunho administrativo.
Minha clínica não preenche os requisitos legais, posso adequá-la para se beneficiar da equiparação hospitalar para o futuro?
Sim, desde que a clínica preste serviços equiparados a hospitalares, conforme explicado em tópico acima, é possível enquadrá-la nos requisitos legais, adequando seu contrato social, bem como a classificação da atividade no Código Nacional de Atividades Econômicas (CNAE).
Todavia, se a empresa não for optante do lucro presumido, será necessário aguardar o próximo ano para alterar o regime tributário ou então baixar a empresa existente e criar uma nova, vez que, feita a escolha do regime tributário, ele valerá para o ano todo, não podendo ser modificado.
Para conseguir o benefício tributário da equiparação hospitalar é preciso entrar na justiça?
Depende do caso concreto.
Isso porque, a Secretaria da Receita Federal continua impondo requisitos ilegais para o enquadramento, a exemplo da vedação aos serviços prestados com utilização de ambiente de terceiro, nos termos da IN RFB nº 1700/2017 (artigo 33, §4º, inciso II) e da Solução de Consulta Disit/SRRF nº 3005/2021, que negou a redução a serviços de anestesiologia por não serem prestados nas próprias instalações do contribuinte, bem como da limitação da equiparação hospitalar aos serviços elencados nas atribuições de 1 a 4 da RDC 50/2002, nos termos da IN RFB nº 1.234, de 2012 (artigo 30), que assim preceitua:
“Para os fins previstos nesta Instrução Normativa, são considerados serviços hospitalares aqueles que se vinculam às atividades desenvolvidas pelos hospitais, voltados diretamente à promoção da saúde, prestados pelos estabelecimentos assistenciais de saúde que desenvolvem as atividades previstas nas atribuições 1 a 4 da Resolução RDC nº 50, de 21 de fevereiro de 2002, da Anvisa.”
Contudo, nos casos em que a clínica esteja perfeitamente adequada ao entendimento da Receita Federal, além de passar a pagar o IRPJ e a CSLL com redução, é possível formalizar requerimento administrativo de restituição dos valores recolhidos a maior nos últimos 5 (cinco) anos em que a empresa preencheu os requisitos legais.
Porém, não é aconselhável passar a recolher o IRPJ e a CSLL com redução sem antes obter o reconhecimento administrativo do direito ao benefício.
Da mesma forma, o procedimento de restituição requer bastante cuidado, posto que é preciso retificar toda a Escrituração Fiscal Digital (EFD) e gerar corretamente os Pedidos de Restituição (PERD-COMP).
Caso contrário, sua empresa poderá perder tempo com indeferimentos da Receita Federal por erros e inconsistências no preenchimento das informações, bem como dinheiro, vez que o pedido de retificação não interrompe a contagem do prazo de prescrição que o contribuinte tem para pedir a restituição, que é de 5 (cinco) anos.
O benefício tributário da equiparação hospitalar se aplica às receitas provenientes de serviços prestados em hospital de terceiros?
Como explicado no tópico acima, para garantir o direito ao benefício tributário da equiparação hospitalar quando os serviços não são prestados na clínica, é preciso ajuizar uma ação judicial.
Há uma gama enorme de casos como esse que já foram julgados pelos tribunais pátrios dando ganho de causa aos contribuintes, como e o caso da decisão proferida pela Turma Regional de Uniformização do TRF4 (TRF-4 – Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei (TRU): 50097450320204047005, Relator: GIOVANI BIGOLIN, Data de Julgamento: 19/08/2022, TURMA REGIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DA 4ª REGIÃO), que pacificou o entendimento no sentido de não ser exigível prova de que os serviços hospitalares (excetuando-se as consultas médicas e atividades de cunho administrativo) sejam necessariamente realizados em instalações próprias da sociedade empresária prestadora.
Nestes casos, onde os serviços equiparados à hospitalares são prestados utilizando a estrutura hospitalar de terceiros, os diretamente obrigados ao atendimento das normas sanitárias próprias são os terceiros, hospitais e clínicas, que sediam os serviços prestados, não sendo outro o entendimento do TRF da 3ª região, expressado em diversos julgados (Vide Apelação Cível nº. 5020429-76.2021.4.03.6100 e 5019152-93.2019.4.03.6100).
Quem tem direito à restituição/compensação dos valores pagos a maior decorrentes da não aplicação do benefício tributário da equiparação hospitalar?
Como cediço, toda empresa que de alguma forma preste serviços equiparados à hospitalares, voltados diretamente a promoção da saúde, podem pedir a restituição dos valores recolhidos a maior nos últimos 5 (cinco) anos, desde que tenham preenchido os requisitos legais já mencionados em tópico acima nesse período pretérito.
É importante lembrar que, dependendo do caso concreto, será necessário pedir a restituição ou compensação por meio de uma ação judicial, como por exemplo, nos casos em que os serviços não são prestados na própria clínica do contribuinte.
Considerações Finais
Não há dúvidas de que o benefício tributário da equiparação hospitalar é um dos planejamentos mais buscados para as clínicas médicas, pois de fato, a redução da carga tributária é expressiva. Com essa economia é possível ajustar o fluxo de caixa, melhorar a margem de lucro e melhorar a competitividade no mercado, potencializando as chances de sucesso e crescimento do negócio.
Contudo, e preciso alertar que implementação da equiparação hospitalar para clínicas médicas deve ser feita caso a caso, pois será preciso verificar com detalhes todas as atividades que são realizadas pela clínica, bem como toda a documentação, a escrituração fiscal, questões societárias, tributárias, enfim, os trabalhos precisam ser realizados com seriedade, ética e profissionalismo.
Flavio Nogueira Cavalcanti.
Sócio fundador do escritório Trad & Cavalcanti advogados.
Pós-graduado em Direito Tributário (IBET – Instituto Brasileiro de Estudos Tributários).
Integrou o Tribunal Administrativo Tributário do Estado de Mato Grosso do Sul (TAT/MS) como Conselheiro Titular de 2002 a 2014.
Consultor e Instrutor do SEBRAE na área de legislação aplicável às micro e pequenas empresas.
Advogado com larga experiência em Direito Tributário e empresarial.
[1] Art. 6º da Constituição Federal.
[2] Fundamento legal: artigos 15, §1º, inciso III, alínea “a”, e 20, inciso III, da Lei 9.249/1995.