Na atualidade, a atuação correta do profissional não é suficiente para eximi-lo de uma condenação. O médico também tem a obrigação de bem informar o paciente (assentado em dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, Código Civil e Código de Ética Médica).
Se o profissional deixa de informar os aspectos capazes de influenciar na tomada de decisão do seu assistido (que poderiam levar a recusa do procedimento, por exemplo), certamente correrá o risco de ser condenado por negligência informacional, mesmo que fique comprovada a sua lisura técnica na condução do tratamento.
Para evitar uma condenação nesses termos, o médico deverá comprovar que prestou ao seu paciente todas as informações relevantes sobre o procedimento, tais como alternativas diagnósticas e terapêuticas aceitas, benefícios, efeitos colaterais, inconvenientes, riscos, duração, tempo de recuperação, etc.
O ônus de levar essa prova ao processo é do médico, razão por que ACONSELHAMOS que o cumprimento desse dever seja formalizado por meio do Termo de Consentimento Informado, Livre e Esclarecido, pois em juízo, de nada adianta o médico dizer que informou. Ele deve apresentar a prova da informação.
Na relação médico-paciente, a prova documental é o meio de prova mais seguro para respaldar a defesa médica, pois provar o cumprimento do consentimento informado por testemunhas é bastante difícil, primeiro porque raramente o profissional faz o atendimento na presença de um terceiro. No máximo o faz na presença do acompanhante do paciente, que por óbvio não deporá contra os interesses deste; ou então diante de um (a) enfermeiro (o), cujo depoimento, por força de eventual suspeição, talvez não seja levado em consideração para formar o convencimento do magistrado.
Apresentar o consentimento informado na forma documentada assume caráter decisivo nas decisões judiciais e éticas, sendo o médico quase sempre absolvido quando o leva em juízo.
Vamos imaginar uma cirurgia de esterilização por laqueadura tubária, cuja possibilidade de a mulher engravidar é prevista na literatura e inerente ao procedimento. Assim, o fato de a paciente vir a engravidar posteriormente não significa que o profissional atuou com erro, porquanto sabe-se que o método é reversível (não é 100% seguro).
Se o médico não tem provas de que prestou as informações quanto à inexatidão do procedimento, a sua condenação, em caso de eventual processo movido pela paciente será quase certa, com base na omissão informacional, mesmo que no curso do processo fique demonstrada a sua adequação técnica no caso.
Ao não fazer as advertências necessárias, não raras vezes o profissional impede que a paciente exerça o seu consentimento de forma verdadeira e desobstruída, motivo pelo qual que acaba se responsabilizando por todos os riscos inerentes ao procedimento (passíveis de ocorrer). Na hipótese da laqueadura, se a paciente é informada da reversão, ela pode recusar a cirurgia, por entender que as vantagens da cirurgia não compensam os riscos.
Mas se o médico apresenta o Termo de Consentimento, Livre e Esclarecido, será absolvido em responder pela gestação da paciente, ante a comprovação de que agiu com transparência e lealdade (boa-fé objetiva) ao adverti-la sobre esse risco. Neste caso, a paciente assume livremente– e sozinha- a imprecisão que decorre da laqueadura (como o risco de engravidar), pois o médico lhe deu todas as informações necessárias para que pudesse manifestar a sua escolha genuinamente (autonomia).
O facultativo também deve assinalar no TCLE que forneceu ao paciente todas as opções terapêuticas cabíveis e aceitas pela ciência (apontando a mais indicada, bem como benefícios, riscos e custos de cada uma), dando-lhe, assim, o direito de optar pelo tratamento que melhor atenda os seus anseios. Este tipo de registro ganha importância na medida em que o paciente pode futuramente, por ex., alegar que ficou com sequelas porque o médico não lhe apresentou a melhor alternativa terapêutica.
Sabemos que dificilmente o médico omite do seu assistido os possíveis caminhos de tratamento, mas muitas vezes o paciente, por alguma razão (esquecimento, desejo de querer achar um culpado, entre outros fatores) sustenta no processo que o profissional lhe privou da melhor saída diagnóstica ou terapêutica por falta de informação.
Se o juiz do processo chegar a conclusão de que a abordagem não utilizada (e não oferecida) poderia ter dado um desfecho mais satisfatório ao paciente, poderá responsabilizar o médico, com assento na teoria da perda de uma chance, por extirpar do paciente a chance de ele ter sobrevivido, de não ficar doente da forma como ficou, de não ficar com sequelas, de ter uma perspectiva de sobrevida maior, de ter tido uma convalescência mais confortável, etc.
Vejam a importância da anotação. Em um caso de câncer de mama, médico prescreve quadrantectomia (cirurgia que remove o câncer, mas deixa a maior parte da mama). Mais tarde, diagnostica-se metástase, vindo a paciente a óbito. A família ajuíza uma ação sustentando que a metástase (e a morte) ocorreu porque o médico não indicou a retirada total das mamas. A justiça condena o profissional fundamentando que, apesar de não se ter a certeza de que mastectomia radical curaria a paciente, existe a certeza de que, se manejada fosse, a paciente teria pelo menos a oportunidade de ser curada ou de ter sobrevivido por um período maior. Este caso é real, e foi julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (RECURSO ESPECIAL Nº 1.254.141). Então, o STJ, não indenizou a morte da paciente, mas a chance perdida.
Este caso merece reflexão.
É certo que paciente pode escolher a opção terapêutica que melhor atenda os seus interesses (desde que prevista na literatura) ainda que não seja a mais recomendada. Assim, se o médico informa todos os meios de terapia, inclusive indicando a mais apropriada, com suas vantagens, riscos e benefícios, ele- médico- não poderá responder pelos danos decorrentes da escolha consciente da paciente.
E mais. E se o médico oncologista do processo em referência esclareceu a sua paciente que a mastectomia radical era o meio mais seguro, e mesmo assim, por qualquer razão que seja, ela optou pela quadrantectomia, mesmo devidamente informada dos perigos de uma metástase?
Ora, se realmente o oncologista exibiu esses esclarecimentos, ele perdeu uma grande oportunidade de ser “absolvido” ao deixar de REGISTRÁ-LOS em um TCLE (ou outro documento), com a assinatura de ciência da paciente. O documento comprovaria, de forma induvidosa, que a paciente, ao escolher autonomamente a quadrantectomia, assumiu o risco de desenvolver metástase.
Por fim, vale registrar que o TCLE não é uma carta de alforria, hábil a inocentar o médico de toda e qualquer situação. Isso porque se o dano sofrido pelo paciente decorreu de negligência, imprudência ou inaptidão técnica do profissional, não há termo ou qualquer expediente que possa lhe defender. Este documento, repisa-se, serve para atestar que o profissional cumpriu com o seu dever de esclarecer.
Esse dever jurídico de informar guarda raízes constitucionais, e se destina a proteger a autodeterminação do paciente, único capaz de avaliar e decidir aquilo que é melhor para si e para o seu corpo.
Os termos devem ser redigidos em linguagem acessível à compreensão de cada paciente ou representante legal. Ademais, o médico não pode negligenciar nenhum dado relevante, e jamais deve declarar informações confusas ou inverídicas. Esses documentos ainda devem estar de acordo com os ditames do Código de Defesa do Consumidor, Código Civil, Código de Ética Médica e consoante entendimento dos nossos Tribunais, caso contrário são invalidados pela Justiça.
Como instrumento de defesa, não são legítimos aqueles documentos de “autorização de procedimento”, vez que não possuem informações completas para o paciente tomar sua decisão, servindo apenas para fins administrativos. Não são válidos também aqueles formulários simples que são entregues apressadamente no momento da cirurgia para o paciente assinar, já que o objetivo da informação é dar esclarecimento e autonomia ao paciente e, nessas situações, o paciente não tem condições emocionais (e sequer tempo necessário) para refletir sobre os riscos da cirurgia e, por fim, tomar uma decisão acertada.
Neste ritmo, orientamos que o médico primeira esclareça verbalmente todos os aspectos importantes do tratamento e, após isso, repasse as informações para o papel, para que o paciente ou seu representante legal aposte a assinatura de ciência.
Portanto, a confecção do TCLE é indispensável na medicina do século XXI porque: I. a liberdade do indivíduo é bem jurídico fundamental e, portanto, deve ser respeitada, II. demonstra zelo, transparência e respeito com o paciente, e uma relação calcada no diálogo; III. Previne processos, porque o paciente, ciente de tudo que envolve o tratamento, dificilmente processará o médico ou a Instituição por eventuais maus resultados, pois saberá que é risco inerente ao procedimento, e não produto da atuação médica; III. comprova sem equívoco que o profissional ofertou ao paciente o direito de decidir sobre os rumos de seu tratamento (autonomia e liberdade), IV. porque previne condenações, sendo o médico quase sempre desonerado da culpa quando o leva em juízo, por se tratar de uma espécie de prova convincente, que demonstra incontestavelmente a sua retidão de conduta e boa-fé ao garantir o direito de escolha do paciente, inclusive quanto às opções de tratamento e perigos intrínsecos.
Giovanna Trad, sócia do Trad & Cavalcanti, especialista em Direito Médico e da Saúde, Membro da Comissão de Direito Médico do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Presidente da Comissão de Biodireito da OAB/MS>